Carta aos alunos de dança

09-04-2020

Ser aluno de uma arte como a Dança, tão exigente a todos os níveis, não é uma tarefa para qualquer um, principalmente quando falamos da disciplina de Técnica de Dança Clássica (TDC) ou Ballet, nome pelo qual é mais conhecida. Esta é uma disciplina de controlo minucioso do nosso corpo, e que exige ângulos, linhas, força, alongamento, expressão e precisão a níveis nada naturais.

Os passos básicos, todos os podem aprender, desde que tenham alguma coordenação motora. Quanto a dominá-los, sentir os músculos que devem mexer em cada movimento, imprimindo a força, o alongamento, a rotação e a dinâmica certas e, com isto, criar linhas, equilíbrios e coordenações realmente surpreendentes, isso é outra história bem diferente.

Um simples plié, é uma carga de trabalhos. É um movimento em que dobramos as pernas, mas em que, ao mesmo tempo, temos de puxar o nosso corpo no sentido do teto criando uma oposição e, ainda, controlar a rotação externa das coxas, o alinhamento da anca, o alinhamento dos joelhos e o alinhamento dos pés, mantendo as costas perpendiculares ao chão e o pescoço alongado, os ombros abertos e os braços numa outra posição à qual ainda temos uns outros tantos músculos para controlar. Ufa, eu já estou exausta só de tentar descrever um "simples" plié.

O bailarino ultrapassa tantos limites que, perspectivá-los, me deixa a pensar em quão especial é cada pessoa que os enfrenta. Consideremos alguns:

A concentração - Conseguir estar atento a cada movimento para o entender, ouvir a correção e aplicar e melhorar, percebendo e isolando cada músculo do nosso corpo para um melhor domínio e, ao mesmo tempo, decorar uma sequência nova a cada exercício, sabendo que pode chegar-se facilmente a mais de 20 exercícios diferentes por aula, é uma tarefa árdua.

A repetição - Para se fazer um simples plié, bem feito, é preciso repeti-lo vezes e vezes sem conta, em todas as aulas e várias vezes em cada aula, e isto acontece para todos os movimentos da dança clássica, que são imensos. Repetir para que, de cada vez que o fizermos, o entendamos melhor e, por consequência, o dominemos melhor, o que, às vezes, e para alguns, é entediante.

A resistência - A resistência à dor resultante do esforço exigido ao músculo que se cansa, do alongamento que causa desconforto e do próprio cansaço geral, cardíaco e muscular. Perceber que me cansei, mas que, se insistir mais e mais um bocadinho, o meu corpo se habitua e cria um novo limite, é um ato de coragem. Trabalhar todos os pontos fracos do nosso corpo com a fé de que os vamos melhorar, ou até mesmo eliminar, é um ato de resiliência espantoso.

A disciplina - Desenvolver um treino exigente em dança com o objetivo de nos superarmos a nós próprios, e conseguir conciliar isso com todas as outras áreas da nossa vida, exige uma disciplina sem falhas, quase sobrenatural.

A frustração - Depois de tanto trabalho, lidar com a frustração de reconhecer que o nosso corpo, apesar do esforço, tem limites e que, às vezes, mesmo com muita dedicação, não atingimos os nossos objetivos na altura em que queremos ou precisamos, é emocionalmente esgotante.

Se, com toda esta exigência e esforço, ainda não desististe de dançar, e se, dentro do estúdio, te consegues esquecer do resto do mundo e mergulhar na beleza das linhas e combinações, tirando prazer até dos momentos mais difíceis, não desistas, estás no sítio certo.

Para mim, todos os estudantes de Dança são super-heróis.

Carla Albuquerque | © 2019
Almada
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